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ANÁLISE BLACK MIRROR

SINOPSE

No episódio “Nosedive” ou em português “Queda Livre” da série de televisão britânica Black Mirror, temos uma sociedade em que você é avaliado por pessoas ao seu redor, sejam elas desconhecidas ou conhecidas. Suas ações geram avaliações com estrelas em seu perfil social, onde a nota máxima é 5,00 e significa que você está no topo da sociedade. Nesse mundo, ter uma boa avaliação te gera privilégios como: descontos, filas preferenciais, acesso a lugares exclusivos, convites para eventos especiais, e até mesmo o respeito e a boa educação das pessoas ao seu redor. 

Queda Livre conta a história de Lacie, uma mulher que mora com seu irmão em um bairro considerado de baixa classe. O contrato do lugar onde vivem está prestes a vencer, o que significa que eles precisam se mudar e logo, Lacie encontra a casa dos sonhos, mas o aluguel está fora de seu orçamento. Lacie, que possui uma avaliação de 4.2, descobre que pode conseguir um desconto no aluguel da casa dos seus sonhos se puder alcançar a nota de 4.5.

Na busca para melhorar sua pontuação, ela recorre a ajuda de especialistas e descobre que estar rodeada de pessoas com baixa pontuação influencia no que as outras pessoas pensam de você, e logo você também pode ser mal avaliada. Seguindo essa lógica, Lacie entende que se aproximar de pessoas com boas avaliações vai ajudá-la a conquistar uma nota maior e consequentemente a aproximar da sociedade de alto padrão. Lacie começa a consumir e trocar avaliações com pessoas de notas altas, e logo encontra uma ex-amiga do colégio, que é muito bem avaliada. Após uma tentativa muito bem sucedida de chamar a atenção da ex amiga, ela é notada e convidada para ser dama de honra de seu casamento. Lacie toma isso como uma grande oportunidade para se destacar em um ambiente de pessoas bem vistas pela sociedade, com notas altas e muito poder; apesar de também questionar as intenções de sua ex-amiga, já que Lacie não é tão poderosa e bem avaliada quanto os novos colegas que a mesma convive atualmente. Mas sua amiga parece ter um desejo genuíno de que Lacie faça parte desse momento de sua vida. Ela pede a Lacie, que prepare um discurso emocionante referenciando lembranças de infância para que possa apresentar aos convidados do casamento e assim Lacie faz, mesmo com críticas de seu irmão que a relembra constantemente que sua ex-amiga não era exatamente uma boa amiga e que na realidade Lacie era vítima do bullying da mesma enquanto estavam crescendo. Mas nada disso importa para ela, porque é uma grande oportunidade de chegar mais perto de seus sonhos.

No decorrer do episódio, entretanto, Lacie enfrenta diversos desafios que fazem sua pontuação social cair cada vez mais. Incidentes, discussões, falta de educação e xingamentos com as pessoas que ela encontra no caminho para o casamento diminuem a sua nota e dificultam sua chegada até a grande festa. Após perrengues e atalhos não convencionais para chegar até o casamento, Lacie é surpreendida com uma ligação de sua amiga pedindo a ela que não vá mais, pois sua avaliação social diminuiu drasticamente e não pode aceitar alguém com uma nota tão baixa como sua dama de honra. Nem mesmo o local onde o casamento será realizado aceita a entrada de alguém com a baixa nota que Lacie conquistou na viagem até lá. Lacie, já perdendo sua sanidade, ignora o desconvite e invade a festa de casamento mesmo assim, dando um discurso confuso, triste e assustador que zera sua pontuação até o ponto em que ela é pelos seguranças e presa por invadir e ameaçar a vida das pessoas presentes na festa.

O episódio acaba com Lacie em uma cela presidiária, sem seu dispositivo e lentes de avaliação instalados em seu corpo. Ela entra em um conflito com outro presidiário na cela da frente e os dois berram e gritam insultos e xingamentos um para o outro, porque estão presos, mas finalmente livres para expressarem o que sentem de verdade. 

RESENHA CRÍTICA

Em um mundo de tecnologias avançadas, o episódio conta sobre um estilo de vida não tão distante da nossa realidade, onde tudo que é feito ou planejado é exclusivamente para o agrado de outras pessoas. 

Pensando sobre isso, usando o Instagram como exemplo, podemos observar que dentro desta grande rede social tudo é pensado da mesma forma, não se visita mais um lugar apenas para satisfazer a si mesmo, mas sim para gerar um conteúdo para a sua bolha de seguidores; não há um verdadeiro aproveitamento dos momentos que são vividos e registrados. No episódio vemos uma cena da personagem Lacie tomando um café; ela não realmente gosta do sabor mas, ainda sim, o fotografa e posta em sua rede social fingindo estar tendo uma experiência agradável, porque sua prioridade é receber uma avaliação positiva online e não realmente ter um momento gostoso tomando o café. 

No mundo do episódio, se você não tem avaliações positivas o suficiente, nada que possa ser, fazer ou gostar é relevante. Nem o mais talentoso ou mais inteligente é o bastante para competir com os números alheios e avaliações positivas de alguém que não ofereça nenhuma substância. Não existem relações, expressões, sentimentos e interações realistas, porque todo mundo quer ser bem visto e bem avaliado, logo, é um mundo cor de rosa (em todos os sentidos). É um universo de interesses e infelizmente o nosso mundo real não escapa muito da realidade fictícia do episódio: dentro das mídias sociais, quanto mais engajamento, mais relevância, oportunidades e benefícios. 

Assim como em Queda Livre, nós vivemos em uma época onde seus números importam mais que suas capacidades, talentos, experiências e desejos genuínos. Diariamente, somos bombardeados de novas notícias sobre profissionais renomados sendo desrespeitados por não possuírem o melhor perfil online ou pessoas que são grandes no online, mas não possuem estudo e experiência profissional, conseguindo e ocupando cargos que foram dados a elas com base em seu alcance social e midiático. 

E até mesmo quem não tem esse tipo de relação de poder com as redes sociais se encontra agindo como Lacie age, porque na sociedade atual é muito raro não suprimos nossa carência emocional com pessoas superficiais e status supérfluos. Acabamos por viver para a personagem que criamos na tela de nossos telefones, postando não o que nós queremos postar e sim o que engaja nas redes para sermos aceitos pela sociedade ou somente a nossa bolha. 

Em um momento do episódio, Lacie posta a foto de uma boneca antiga para atingir especificamente as memórias de uma “amiga” que está em um círculo de alto padrão. Ela espera alcançar uma avaliação positiva ao agradar essa amiga (que na verdade, nunca foi sua amiga) e se aproximar dela de alguma maneira; ao fim do episódio, descobrimos que a amiga desejava usar Lacie com as mesmas intenções.

Hoje em dia, as chamadas influencers usam esses jogos emocionais como parte de seu trabalho: postar algo que pareça vir de um sentimento ou emoção genuína, somente com a intenção secreta de engajar e gerar atenção por tocar o coração das pessoas.

Tempos atrás, uma das blogueiras mais populares do Brasil, causou um burburinho ao “deixar” que seu planejamento de posts vazasse, revelando que todo seu o conteúdo do dia (que deveria soar espontâneo e aleatório, como postar vídeos com seu bebê), já estava bem organizado e espaçado entre os horários do dia.

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Ainda que a realidade de hoje não seja tão extrema quanto a desse episódio, sabemos que sistemas de reputação já são usados em aplicativos como Uber, Airbnb e IFood, por exemplo, onde os usuários e os provedores de serviços são avaliados. Claro que, de primeira, faz sentido: você está avaliando o serviço e o trabalho entregue por alguém e isso não parece ser tão problemático… Até que o emprego de motoristas e empregadores dependa do total agrado de pessoas instáveis que os pedem mais do que foi realmente prometido no serviço.

A exposição, o julgamento das decisões de vida, a busca pela aprovação social e online e a necessidade de colocar-se como parte de um estilo de vida que é considerado como o melhor são todas coisas retratadas no episódio e que acontecem no mundo contemporâneo. Levando isso para a vida fora da internet, a fama de cada pessoa é construída com base em pré-julgamentos que levam em conta desde o estilo de roupa até o bairro em que mora. Assim como a frase “Diga-me com quem tu andas e eu te direi quem tu és” há uma busca desesperada em manter a reputação, não falar com uma pessoa porque ninguém mais fala, não tomar decisões que são verdadeiramente suas em busca de uma total aceitação alheia, viver para os outros uma vida que não é sua, isso é tudo o que o ser humano é capaz de fazer pelo reconhecimento. E a internet e as redes sociais elevaram ainda mais esses terríveis problemas.

O mundo atual está tão envolvido nas redes sociais que não há mais diferença entre a vida real e a vida online; e a vida online parece trazer recompensas rápidas que a vida real dificulta e demora  de se obter, mesmo que essas recompensas não pareçam ter muita substância e profundidade. Vemos que para a geração atual de jovens, que estão crescendo assistindo pessoas se tornarem ricas, famosas e amadas por dançarem em frente ao celular, fica cada vez mais difícil escolher entre investir em estudos ou em uma câmera boa o suficiente para gerar conteúdo de qualidade. Afinal, qual deles dá mais futuro? E qual o futuro é mais relevante para a sociedade atual?

"Isso é tão Black Mirror!"

A frase que antes era um meme, está cada vez mais real. 

E a reflexão que fica aqui é: estamos cada vez mais próximos de uma realidade que acreditávamos existir apenas na ficção.

OneTake Club

©2022 por Ingrid Maciel da OneTake Club.

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